A Lei 14.193/2021 foi publicada em 6 de outubro de 2021 e instituiu a sociedade anônima do futebol (SAF), considerando especialmente a necessidade de transparência e profissionalização dos clubes de futebol, que permitisse a captação de investimentos privados e financiamento público. A lei estabeleceu normas para constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade e tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas, além do regime tributário específico, previsto nos artigos 31 e 32.
Esses dispositivos foram vetados por terem sido considerados contrários ao interesse público ao acarretar renúncia de receita “sem o cancelamento de outra despesa obrigatória e sem que estivesse acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”. No entanto, eles tiveram o veto presidencial derrubado pelo Congresso Nacional. Desse modo, os clubes de futebol que não eram tributados, por força da isenção de IRPJ , CSLL e Cofins, ao optarem pela SAF, passarão a recolher esses tributos.
Além disso, outro fator considerado pelo legislador é que a divergência entre o Fisco e os clubes sobre a extensão da exoneração fiscal a que faziam jus gerou um passivo tributário significativo. Por essa razão, a lei prevê o Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), considerando as especificidades dessa atividade econômica.
A SAF fará o recolhimento de tributos pelo TEF, que unifica o pagamento de IRPJ, CSLL, contribuição ao PIS, Cofins e contribuição previdenciária à alíquota de 5% da receita mensal auferida nos cinco primeiros anos . No entanto, permanece obrigada a recolher o ISS sobre as prestações de serviço, cuja alíquota poderá variar de 2% a 5%, a depender do município, a contribuição social sobre a folha de salários de 7,65% a 11% e as contribuições de terceiros de 4,5% incidente também sobre a folha de salários.
Esse modelo de recolhimento unificado de tributos, baseado no Simples Nacional, tem como vantagens: 1) baixo custo de conformidade; 2) alíquota global reduzida para o recolhimento dos tributos federais nos primeiros anos de atividade; 3) previsibilidade do ônus tributário que a SAF suportará, uma vez que ele variará apenas de acordo com a receita auferida.
Entretanto, é preciso esclarecer que a Lei 14.193/2021 abre para os clubes de futebol duas possibilidades: 1) manterem-se como entidades desportivas sem fins lucrativos; e 2) profissionalizá-los, o que permite a distribuição de lucros, remuneração de mercado para um corpo diretivo profissional e acesso a meios de financiamento aplicáveis ao mercado de capitais, como emissão de ações e debêntures. Contudo, ainda que os clubes optem pela SAF, internamente poderão conviver com a entidade desportiva sem fins lucrativos que administrará os outros esportes desenvolvidos por ela, como atletismo, ginástica artística e vôlei, por exemplo. Isso ocorrerá caso o clube detenha participação societária na SAF.
A entidade desportiva sem fins lucrativos possui uma série de restrições específicas: 1) estão fora do mercado e não podem distribuir lucros a qualquer título; 2) não podem se utilizar de instrumentos do mercado de capitais; e 3) não podem contratar de forma personalizada administradores profissionais. Ela se submete à tributação por: 1) contribuição ao PIS, à alíquota de 1% sobre a folha de salário; 2) contribuição previdenciária, à alíquota de 5% sobre a receita bruta da bilheteria e de qualquer forma de patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e transmissão de espetáculos desportivos; 3) contribuição do empregado, considerando as alíquotas de 7,65% a 11% sobre a folha de salários; 4) contribuição de terceiros, à alíquota de 4,5% sobre a folha de salários; e 5) ISS, de 2% a 5% sobre as prestações de serviços.
Ela se beneficia da isenção de IRPJ, CSLL e Cofins, em relação às receitas que decorram de “atividades próprias” da entidade, como mencionado anteriormente, e de IPTU em diversos municípios. Contudo, considerando as sucessivas alterações legislativas, a posição adotada pela Receita Federal do Brasil (RFB) se tornou relevantíssima para a compreensão dos períodos em que essas isenções poderiam ser aplicadas.
Na Solução de Consulta Cosit 231, de 7/12/2018, a RFB assim se manifestou: 1) de 25/3/1998 a 16/7/2000, nos termos do artigo 27 da Lei 9.615/1998 (Lei Pelé), as entidades desportivas eram equiparadas às sociedades empresárias, não podendo usufruir da isenção prevista no artigo 15 da Lei 9.532/1997; 2) de 17/7/2000 a 15/5/2003, por força da Lei 9.981/2000, que alterou os artigos 27 e 94 da Lei 9.615/1998, foi revogado o prazo de adaptação das entidades desportivas ao que determina o artigo 27 da citada lei, não sendo possível que as entidades desportivas de futebol se enquadrassem como associações sem fins lucrativos, conforme exigido pelo artigo 15 da Lei 9.532/1997 para fazer jus à isenção; 3) de 16/5/2003 a 16/3/2011, com a edição da Lei 10.672/2003, que alterou os artigos 2º e 27 da Lei 9.615/1998, as entidades desportivas de futebol eram consideradas sociedades com fins lucrativos, o que impedia que usufruíssem da isenção prevista no artigo 15, da Lei 9.532/1997; 4) de 15/9/2006 a 15/9/2011, a Lei 11.345/2006 assegurou a isenção de IRPJ, CSLL e Cofins e da incidência de contribuição ao PIS à alíquota de 1% sobre a folha de salários para a entidade desportiva organizadas como associações sem fins lucrativos; 5) a partir de 17/3/2011, quando começou a produzir efeitos a Lei 12.395/2011, que alterou os §§11 e 13 do artigo 27 da Lei 9.615/1998, a RFB considerou possível o enquadramento das entidades desportivas de futebol sem fins lucrativos, ao disposto no artigo 15 da Lei 9.532/1997, desde que elas cumprissem os requisitos formulados pelas respectivas legislações; e 6) a partir de 16/10/2013, quando começou a produzir efeitos a Lei 12.868/2013, as entidades desportivas sem fins lucrativos, elencadas no parágrafo único do artigo 13 da Lei nº 9.615, de 1998, para fazerem jus à isenção deveriam atender aos requisitos postos na própria Lei 9.532/1997 e também as condições previstas no artigo 18-A, I a VIII, da Lei 9.615/1998.
Mesmo com a definição dos períodos em que a RFB entende ser aplicável a isenção às entidades desportivas sem fins lucrativos, fato é que os clubes não se conformaram com a posição sustentada e continuam em intermináveis debates judiciais em torno da questão. A partir de 2013, o preenchimento dos seguintes requisitos assegura o não recolhimento de IRPJ, CSLL e Cofins, quais sejam: 1) remuneração dos dirigentes nas condições em que prevê; 2) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais; 3) manter escrituração completa de suas receitas e despesas; 4) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação das despesas; 5) apresentar declaração de rendimentos anualmente para a Receita Federal: 6) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados e cumprir as obrigações acessórias correlatas; e 7) outros requisitos postos em lei específica.
Esse convívio de regimes jurídicos dentro do clube de futebol poderá ser caótico se a implementação da SAF e a separação do que a ela se refere e do que deve ser mantido na forma de entidade desportiva sem fins lucrativos não forem bem estruturadas. É preciso que se tenha clareza sobre o que compõe o objeto, o patrimônio e a receita da SAF e o que se refere especificamente à entidade desportiva sem fins lucrativos. Isso gera impactos diretos, como dito anteriormente, na tributação incidente ou no gozo da isenção tributária, o que poderá ser visto inclusive na transferência de contratos vigentes do clube para a SAF.
Com Danúbia Paiva e Jacqueline Mayer da Costa Ude Braz.