Na hora de iniciar um negócio em família, de forma geral, todos estão muito empolgados, querendo trabalhar, fazer dar certo, e nem sempre as pessoas se preocupam com questões mais burocráticas, como estabelecer, em contrato, como será a divisão da sociedade. “O ideal é que já se comece definindo os papéis de cada um”, afirma Sandra Fiorentini, consultora do Sebrae-SP.
A dica foi dada durante a live “Os novos negócios familiares”, realizada por Pequenas Empresas & Grandes Negócios com patrocínio do Itaú Empresas, e mediação de Ana Laura Stachewski, editora-assistente de PEGN. Identificar, logo no começo, quem da família tem o melhor perfil para cada função que será executada é fundamental, segundo Sandra: “Um viés mais controlador, sistemático, talvez seja melhor para atuar no financeiro”, exemplifica. “Perfis mais expansivos podem atuar na área comercial, por exemplo.”
Clarissa Molon, superintendente de negócios de Itaú Empresas, levantou outro ponto importante: à medida que a empresa vai crescendo, vai exigindo novos processos, que não devem ser deixados de lado, especialmente nas empresas familiares. “A gente fala muito em trazer governança, e esse termo assusta, porque parece coisa de empresas maiores, mas é algo associado às práticas e processos do dia a dia, à visão de curto, médio e longo prazo, é algo que precisa estar bem escrito e declarado, além de ser revisitado com frequência”, afirma. “Os processos de governança cabem em qualquer tamanho de empresa, para garantir crescimento e perpetuidade.”
Empreendedor, Gerson Reis é fundador da World of Hair, rede de salões de cabelereiros de São Paulo e uma empresa familiar. Reis contou, durante a live, que o primeiro parceiro familiar a entrar na empreitada foi o filho mais velho, com 15 anos de idade. Depois, veio mais um, o terceiro e, por fim, a caçula. Mas nada foi obrigado, ele diz.
A mais nova, por exemplo, inicialmente decidiu atuar em outra área, fora da empresa. Ingressou em uma faculdade para se capacitar para trabalhar como secretária bilíngue. “Mas depois ela decidiu entrar na World of Hair também, e hoje atua como cabeleireira e faz a gestão de uma das unidades”, afirma Reis.
Assim como os filhos se uniram ao time da World of Hair, a esposa de Reis também participa do negócio. Não sem conflitos, contou o empreendedor. “A gente teve dificuldades, porque o que acontecia dentro da empresa ia para a casa e vice-versa, então tivemos que entrar em um consenso”, diz. “Por mais que o almoço fosse em família, o assunto terminava na World of Hair. Aí fizemos um acordo de não falar de problemas da empresa no almoço da família. E hoje funciona melhor, filtramos as emoções. Temos o almoço no domingo e uma reunião da empresa às segundas, para falar da empresa, e não da família.”
Como trabalhar com diferentes gerações na mesma empresa
Para Gerson, que tem 59 anos, a entrada dos filhos no negócio trouxe um olhar diferenciado da nova geração para a empresa. “Existe uma troca muito grande”, resume. “Eu não sou da geração tecnológica, sou da era da tela grande. Com eles veio a tecnologia [para a empresa]. Foram eles que disseram que a gente tinha que ir para a internet. Na época era o Facebook. Fomos, e chegamos a 110 mil seguidores. Migramos para o Instagram, construímos um avatar, uma persona interna, e estamos felizes com o resultado.”
Sandra, do Sebrae-SP, comentou que a forma como Reis escuta os sucessores é um exemplo a ser seguido em uma empresa familiar. “Ele mostra que, ao trazer os filhos, não é o dono da verdade. O fundador tem que trazer a sua sabedoria, mas não pode se colocar acima de tudo”, diz. “Cada filho tem um perfil, é importante entender esse perfil, que a visão de cada um será diferenciada. E isso pode se dar não somente com filhos, mas com irmãos [e outros familiares]. Mas é preciso já começar a delegar.”
Como preparar a sucessão
Isso porque o processo de sucessão leva tempo. Para Sandra, é importante ir mostrando aos sucessores como funciona cada coisa da empresa. “Às vezes, o fundador quer passar o bastão e o filho não sabe administrar. Ele pode passar, não é uma questão de saber, é de como vou passar”, afirma.
Ela explicou que o fundador viveu todas as fases da empresa, mas o filho não participou disso, então não será o mesmo resultado ao colocá-lo para administrar o negócio. “Se a empresa está estruturada, tem processos, é mais fácil essa sucessão”, pontua a consultora do Sebrae-SP. “Mas se é uma empresa que ainda não tem processos, a gente sugere que o fundador comece a mostrar para o filho todas as etapas, e fazer com que ele permeie, acompanhe cada setor da empresa um pouquinho, para que conheça. Não é passar apresentando as áreas. Até porque o cérebro humano só aprende fazendo; ouvindo é só uns 40%. Então, é mostrar cada departamento e ele vai trabalhar ali, ser subordinado do gestor da área, entender como funciona.”
Um próximo passo, depois que o sucessor ficou um pouco em cada setor da empresa, entendeu como funciona, é, juntos, construírem os processos. “Porque é o filho que vai continuar, então não será o jeito do pai ou do filho, mas o que é melhor para a empresa.”
Isso inclui desenhar o organograma, quantos departamentos têm, quantos líderes, quantos colaboradores. “Mas o filho tem que querer”, ressalta Sandra. “Se acontecer de o filho não querer, a solução é chamar um profissional de fora para ser o administrador, e as pessoas da família podem fazer parte do conselho de administração.”
Tempo para preparar a sucessão
A consultora do Sebrae-SP comentou que o processo de sucessão não é rápido, e precisa ser planejado. “Quem vai assumir precisa entender, não só conhecer, cada área, e como elas se interligam.”
Gerson disse que está planejando a sucessão na World of Hair há cerca de um ano. A equipe vem fazendo reuniões periódicas e este ano elas vão se intensificar. “Eu estou indo duas vezes por semana na empresa, e já estou deixando meus filhos fazerem muita coisa. Daqui a uns dois anos eles estarão prontos para assumir”, conta.
Para Clarissa, do Itaú Empresas, a sucessão é uma corrida, em que ambos – fundador e sucessor – correm de mãos dadas. “Quando se pensa na continuidade do negócio, no crescimento, a sucessão é relevante, e pode até ser o assunto mais importante em algum momento da história do negócio”, afirma. Para a executiva, ter um apoio externo, de uma consultoria ou assessoria, nesse processo sucessório pode ser um apoio importante. “As discussões sobre sucessão às vezes vêm à tona de forma mais abrupta, por um acidente, um problema financeiro. Buscar profissionais que possam auxiliar nessa questão pode ajudar no processo, também ajudar na gestão de conflitos, porque eles vão existir”, analisa.
Fonte: PEGN.